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terça-feira, 21 de agosto de 2012

RUBEM GRILO


goiva desenharia









RUBEM GRILO

Rubem Grilo (Pouso Alegre - MG, 1946) realizou as primeiras xilogravuras em 1971. De 1975 a1985, ilustrou diversos jornais: Opinião, Movimento, Folha de São Paulo, Retrato do Brasil, entre outros. Publicou em 1985, pela Circo Editorial, um livro com os trabalhos realizados entre 1980 - 1985. Entre outros prêmios, recebeu, em 1992, o 2º Prêmio da XYLON Internacional (Suíça). Tem trabalhos publicados em revistas especializadas como a Graphis e Who's Who in Art Graphic (Suíça), Idea (Japão), Print (USA), entre outras. Participa, este ano, da XXIV Bienal Internacional de São Paulo.
Reside no Rio de Janeiro.



































RUBEM GRILO - CAMINHOS DA RAZÃO
Às vezes Rubem Grilo parece trabalhar como se faltassem palavras para um universo e fosse necessário torná-lo presente em imagem. É como se Grilo pensasse com a faca de gravar, pensasse gravando. Pensar seria um corte na matriz. Nos últimos anos, Rubem Grilo foi acometido de uma estranha enfermidade. Existe no ar uma epidemia de imagens. O artista tem gravado milhares, muitos milhares de pequeninas matrizes que proliferam. O resultado é um inventário vasto, embora deliberadamente incompleto, que contradirá todo furor clasificatório. É como se Grilo esculpisse cada nota de uma monumental sinfonia. Por vezes, o que se anuncia é um (des)concerto: " O trabalho tem muito de orquestração, como um Debussy, que põe uma nota e se entusiasma por ela. No fundo a linha, o ponto têm uma coisa musical". O conjunto gravado é um imenso exercício de reconhecimento do espaço. Frente a essas áreas mínimas, Grilo vai gravando, operário de uma fábrica acelerada. Conclusivamente parece emergir uma constituição fenomênica do fluxo do tempo, para além do tempo interno de cada imagem e da dimensão pessoal da duração. O que se encontra, então, é uma pauta mutante de uma miríade de tempos condensada em rio do tempo. As minúsculas gravuras são efemérides, espiral do tempo, circularidade e ciclos incompletos, sincronia e diacronia, recortes do vazio, devaneios barrocos, desconstruções temporais, descontinuidades e interrupções, jogos da memória. Ao cabo, é uma obsessão do espaço, refeito cada vez - às vezes quase não importa qual imagem, mas sim o fato de que o plano se desdobra no tempo através do surgimento incessante de imagens. A essa existência autônoma emergente do espaço corresponde no conjunto a construção de um sobre tempo.
Série Pregos para kit multiusoEssas pequenas jóias comportam-se freqüentemente - e nem sempre- como verdadeiros exercícios zen. "Meu trabalho é despossuído de certezas, solapa qualquer idéia de dar substância. É uma parábola da impossibilidade de fechar as coisas", declara o artista, que acrescenta sobre sua exposição: " O que dá concistência ao conjunto não é a forma, mas a linguagem da forma, a estrutura da forma, mais a individualidade que age neste campo". Bachelard, em O Direito de Sonhar, afirma que para o gravador a matéria existe e que existe uma vontade matérica: o verdadeiro gravador começa sua obra num devaneio de vontade. Já Riva Castleman discute ainda como a matéria da xilogravura é operada por uma simplicidade básica. Isso parece ser o tema visual, econômico e ético da obra recente de Grilo. O artista deseja por a nu a simplicidade, que é também o que tem dado coesão àqueles distintos níveis de seu trabalho gráfico. Existe um humor instigante ao denominar sua exposição" obra menor", porque Grilo promoveu uma virada radical na economia da obra. O intenso investimento aparentemente se dispersou em milhares de matrizes minúsculas e suas impressões parecem perder todo sentido de utilidades.
VinhetasCada gravura é tomada como um módulo e a articulação dos módulos cria uma linha gráfica, que em sua inserção no espaço da galeria absorve a função de um friso se o " ornamento" arquitetônico não é da ordem dos efeitos arquitetônicos ociosos, mas um mecanismos para disparar o pensamento. Com as montagens, às quais Rubem Grilo tem se dedicado (MASP, 1992), as xilogravuras deixam o campo extremamente circunscrito e privado do seu fazer e fruir , deslocando-se para uma esfera pública. A soma visual rearticula o lugar do intenso investimento da ação gráfica. A adição visual de gravuras não será, nesse caso, "negação", mas transformação da imagem minúscula e íntima numa questão de espaço arquitetural, quase monumental, próximo da idéia de instalação. A escala torna-se corporal, mesmo se projetada por aquilo que, individualmente, é dimensão do olhar delicado. Para o artista, a exposição, que mostra umas quinhentas imagens, projeta "transferir para a sala os mesmos problemas da mariz. O tamanho é tanto questão de escala quanto de interiorização. Ao interiorizar a imagem, muda-se a escala. A matriz, sua presença, reintroduz e reforma a questão do micro".
Série Cachimbos para fumantes inveretadosFormas mais ou menos estáveis, mais ou menos reconhecíveis, algumas no limite de nada ser, como se cada imagem buscasse o limite de sua função objetiva de ser arte, quase não presença. Representação e abstração se equivalem depois de décadas de modernidade.. Tudo pode ser encontrado aqui: zeros e pontos (eles parecem recitar Kandinsky) : a ressonância do silêncio, habitualmente associada ao ponto, é tão forte como suas outras propriedades aí se encontrassem ensurdecidas), um Amílcar minúsculo (como no pequeno retângulo preto iluminado pelo corte, a partir do ângulo superior direito, por uma linha branca em diagonal), falsas estruturas e pernilongos monumentais ( alguns chegam a medir alguns centímetros), signos da simplicidade gráfica, vinhetas e letras de alfabetos parciais. Por vezes há uma ironização do minimalismo excessivo. O olhar hesita entre tudo reduzir a uma massa gráfica homogênea, a um fluxo uniforme de tempo, ao saldo consolidado do investimento da fatura; e deter-se na percepção de cada minúcia e seu monumento. Se as gravuras uma a uma são um quase nada, no conjunto formam uma teia de procedimentos, de imagens, de signos, de formas que recuperam uma legibilidade, reconformam um discurso. Incessantemente, o olhar pode buscar um sentido único, hesitar entre as ofertas do contínuo e do descontínuo. Mas nunca encontrará porto.
Paulo Herkenhoff





Para ele, a xilogravura sempre foi uma expressão da comunicação, desde a  Idade Média. Grilo não fez mais que retomar uma arte de priscas eras.  Sua exposição na Caixa, harmoniosa e assustadora, não traz trabalhos em série. Ele brinca que poderia desenhar uma moça na janela, uma moça na janela de costas, uma moça na janela com o vestido amarelo ou uma moça numa janela amarela e assim consecutivamente.
“Não, não faço trabalhos em série. Cada trabalho é filho único. Se fosse pra repetir, não precisava fazer mais nada. Tudo o que foi feito fica zerado depois de pronto. É como se o taxímetro estivesse sempre na bandeira zero”, explica, em leve ironia.
Para o artista, o primeiro limite de um gravador, no caso específico, é o material. A madeira tem uma dignidade tão absoluta que não se pode permitir que seja destruída, comenta. A madeira é uma matéria, já a gravura é uma expressão. A madeira tem um peso, a expressão é leve. E a técnica, prossegue Rubem Grilo, existe para que o artista compreenda a textura do material, a resistência da matriz onde ele desenhará.
Depois de muitos anos, ao ver uma charrete sendo conduzida no sul de Minas, descobriu o pau-marfim, madeira nobre também em extinção, como tantas no Brasil. “A base do meu trabalho é o desenho e o desenho é uma escrita que vem desde as cavernas”.
Para ganhar a intimidade com a madeira, Rubem Grilo sempre andava munido de uma faquinha e outras ferramentas, como um médico anda com seu bloco de receitas. Assim, por onde passava, ele dava um pequeno corte, para conhecer a matéria. Gravura é desenho e gravação. A impressão é o desfecho e puramente mecânica.
Ele se equilibra com tenacidade e exige de si um tempo de mergulho sobre a obra. Não importa o tamanho. Ele volta à madeira várias vezes, gastando em média, para trabalhar numa única obra, 150 horas. Trabalha em câmara lenta. Se a xilogravura é uma técnica estática no tempo e que não mudará nunca, a mudança possível está no diálogo interior do artista com a matéria. A propósito, ele lembra o alemão Albrecht Dürer. Este é o caminho das pedras, reconhece, e é preciso pular de uma pedra pra outra, sem pressa, sem querer superar obstáculos naturais.
Rubem Grilo começou a realizar xilogravuras em 1971. Mas, coisa de doido, sô, no ano seguinte queimou mais de 300 obras. E mesmo já reconhecido mundialmente, só emplacou mesmo, por um grande acaso, quando expôs no Parque Lage e aconteceu a morte de Glauber Rocha que ali havia filmado seu Terra em Transe e onde seria velado. O corpo de Glauber ficou exposto no meio da exposição de Rubem Grilo e muitos pensavam que se tratava de um cenário próprio pra aquele momento. O fato chamou a atenção do crítico e ensaísta Frederico Morais.

Outra citação: Rubem se lembra de que Goethe recomendava a um artista, o que vale para qualquer experiência humana, que você faça um círculo à sua volta e cave profundamente. “Você precisa compreender o seu limite e a chance de mergulhar é permanente. É um trabalho de escavação”.
Celso Araújo








Video do Grilo                                                                                


O PROCESSO COMO INVENÇÃO
Na fronteira entre a forma e o vazio, surge a linha de Rubem Grilo.
Perambula pelo mundo dos sonhos, negro lado obscuro a dominar a cena e a sussurrar um mundo paralelo, que escapa da racionalidade e ironiza o mundo real. Em seguida, volta às profundezas, deixando a ausência transmitir o seu complemento. São formas que constroem o inconsciente com o preto e o branco. O diálogo em que a escuridão revela e a luz subtrai serve de porta de entrada para um universo imagético e instigante, no qual o pensamento é completo e profundo e não se revela linearmente.
Em sua obra, é possível distinguir uma idéia dentro de outra idéia, aprofundando a significação das coisas, por meio de um fio condutor que se assemelha à memória de um mundo desconhecido e onírico. As formas e figuras que povoam a folha de papel ou as entranhas da madeira se evaporam em poeiras gris, para se tornarem a essência: a linha. Aos poucos, o pó do grafite se altera em caminhos, nos quais a lâmina mergulha mais fundo, atravessando a superfície e expondo a síntese das coisas. Até então, o mundo, que parecia impossível, torna-se incisivo e domina o real. Convicta, a imaginação se estabelece como objeto.
Há em Grilo uma ampla liberdade de criação, que lhe possibilita avançar em territórios dispares com a mesma desenvoltura e consistência. O humor, a solidão, a densidade do drama humano e a construção de uma idéia pura sem excessos convivem com o barroco. Intrínseca a esses diálogos, a inteligência prevalece num universo em que, tratando-se da criação, tudo é permitido
O artista chega à maturidade de sua obra com o desembaraço de uma criança. Criou para si um dicionário que contém a linguagem de um mundo de personagens, plantas, bichos, e um sistema gráfico em que coabitam diversos elementos. Rubem tem uma curiosidade pelas coisas do mundo extremamente aguda. Pode passar horas lendo sobre teses relativas à formação da galáxia, analisando plantas, observando comportamentos e biótipos, refletindo acerca da sociedade, da literatura, do cinema, da música e da história. E talvez isso seja o elemento que lhe possibilita a construção de um universo tão particular e abrangente, pois uma obra é a soma de todos os detalhes da personalidade de um artista.
No processo de trabalho do artista, a imagem concentra-se originalmente no desenho. A gravação implica a desistência e a transformação deste em algo corpóreo, matérico. A dimensão física ganha a espessura tridimensional na matriz, sua presença no mundo real. Nesse estágio, o artista desiste mais uma vez de sua conquista e, pela impressão, retorna à superfície planar, para então ganhar o mundo e se espalhar.
Ao propagar-se, descobre-se contaminado por um pensamento múltiplo de extrema força poética. O olhar subjetivo de Rubem Grilo ganha a dimensão massiva, gráfica, de largo alcance. A multiplicidade dá ao desenho um novo significado, como um ser que, ao assumir o processo como invenção, vai trocando de pele, até atingir seu estado pleno.

fevereiro de 2009
Adriana Maciel

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